segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Nota da Associação Brasileira de Psiquiatria sobre o programa de enfrentamento ao crack anunciado pelo Governo Federal

Nota da Associação Brasileira de Psiquiatria sobre o programa de enfrentamento ao crack anunciado pelo Governo Federal


Nos solidarizamos com o Governo Federal no combate ao crack, droga responsável pela desestruturação de famílias e pela degradação humana. Entretanto, gostaríamos de fazer algumas considerações sobre o plano lançado no dia 7 de dezembro de 2011.

Há pouco mais de um ano, o então presidente Lula lançou programa semelhante ao anunciado pela presidente Dilma Rousseff. De lá para cá, pouca coisa mudou. No plano de Lula, a promessa era de que fossem investidos R$ 410 milhões no enfrentamento das drogas. O que saiu do papel chegou a pouco mais da metade desse valor. Se os R$ 4 bilhões anunciados agora forem realmente investidos, se esse recurso ficar livre dos contingenciamentos, já será um bom começo. E é só o começo mesmo porque, para um país do porte do Brasil, um investimento de R$ 4 bilhões pode até parecer enorme, mas é pouco quando se considera o caráter crônico das medidas necessárias, desde a proteção e promoção da saúde, prevenção primária até a atenção ao dependente químico.

Ao que parece, o agravamento da situação do crack revelou as fragilidades da política de álcool e drogas do Governo Federal e abriu espaço para as necessárias correções em bases científicas mais sólidas. Ainda hoje, os profissionais de saúde que atendem dependentes químicos são insuficientemente treinados. É preciso aprofundar o conteúdo dos cursos oferecidos a esses profissionais, de modo que sejam contempladas as diferentes técnicas de tratamento dos dependentes químicos. Sugerimos também incluir disciplinas de dependência química em todas as graduações de Medicina.

A possibilidade de garantir tratamento mesmo aos menos motivados e que demandam internação involuntária coloca outro desafio, pois as equipes de avaliação e atendimento têm de ser bastante hábeis para garantir tratamento baseado em evidências médicas adequadas. De nossa parte, apoiamos a aplicação da Lei 10.216 pois acreditamos que o mais importante é a proteção da vida.

Um grande mérito do atual programa é o propósito de oferecer 2.462 leitos especializados no SUS para pacientes em crises de abstinência e em casos de intoxicações graves. Caso haja equipes habilitadas para o atendimento, isso representará um avanço significativo na política de atenção ao dependente químico. Da mesma forma, saudamos a ampliação das vagas de residência em Psiquiatria nos hospitais públicos.

Ressaltamos que a abertura de consultórios de rua pode não surtir o efeito desejado pois, ainda que fiquem restritos à abordagem na perspectiva de redução de danos, ou seja, de contato inicial para aproximar o dependente químico dos sistema de saúde, já representarão grande desafio pois promoverão demanda por atenção de alta complexidade em leitos especializados. Lembramos ainda que tratamentos desse tipo devem ser realizados em local adequado e que, em sua equipe, é eticamente e tecnicamente indispensável a presença de médicos psiquiatras, prerrogativas não contempladas nos consultórios de rua.

A ampliação da rede de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas 24 horas é bem-vinda, mas implica na necessidade de organização de equipes capazes de dar conta de intercorrências clínicas mais significativas entre usuários de crack. Ou seja, para que a medida não seja inócua, será preciso ter equipes médicas também 24 horas nos CAPs AD.

O fato de a proposta ter passado ao largo de consultas a instituições como a Associação Brasileira de Psiquiatria e a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas nos deixa preocupados com o que, de fato, será levado a cabo.

Também estamos preocupados com o avanço do crack no país. Por isso, lançamos durante o XXIX Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em novembro, a campanha “Craque que é craque não usa crack”. O objetivo é sensibilizar os jovens para os riscos que a droga representa. A iniciativa recebeu o apoio de personalidades do esporte, da classe artística, da classe política e de entidades da sociedade civil, como a Central Única das Favelas.

Estamos à disposição caso o governo queira conhecer as propostas da ABP e discutir as políticas de atenção ao dependente químico e ao doente mental no país.

Antônio Geraldo da Silva

Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
Fonte: http://abp.org.br/2011/medicos/archive/4328

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