sexta-feira, 5 de outubro de 2012

TDAH

Por: IMPRENSA

Fonte: Revista Viva Saúde

O aumento da venda de medicamentos como o metilfenidato preocupa especialistas e coloca em questão o seu uso abusivo.


Desatenção, inquietude e impulsividade são os principais sintomas de quem sofre de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, o TDAH. Trata-se de um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Suas causas ainda estão sendo estudadas, mas podem estar relacionadas à hereditariedade, uso de determinadas substâncias durante a gestação, consequência de partos problemáticos, exposição a chumbo ou problemas familiares, segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção. Um dos principais medicamentos utilizados para o tratamento de pacientes com o TDAH é o metilfenidato, desde o ano de 1955.

De maneira simplificada, o mais notável resultado desse medicamento é aumentar a concentração e atenção do paciente que sofre de TDAH, lista terapia é o resultado de pesquisas iniciadas há cerca de 20 anos, quando pesquisadores estavam em busca de alguma substância que tivesse efeito antidepressivo e estimulante, principalmente para estados de fadiga. Esse princípio ativo existe em dois tipos de formulação: a de liberação imediata, que dura em média de 3 a 4 horas, e a de liberação longa, que dura de 6 a 8 horas.

Os efeitos colaterais mais comuns são a redução de apetite, insónia e dor de cabeça. E contraindicado para gestantes, pacientes com menos de 5 anos, que tenham problemas cardiovasculares, epiléticos ou que apresentem tiques motores graves. Previsões do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos (Idum) dizem que, em tese, nos últimos 11 anos, as vendas desse remédio aumentaram cerca de 3.200%. Esse número coloca o Brasil como o segundo maior consumidor do medicamento no mundo, perdendo apenas para os EUA. Daí a preocupação dos pais, educadores c médicos - que querem entender as razões desse aumento.

Diagnose difícil?

Outro ponto bastante discutido em relação ao TDAH é o diagnóstico. De acordo com uma pesquisa realizada por USP, Unicamp e Albert Einstein College of Medicine, quase 75% dos jovens brasileiros que utilizam esse tipo de remédio não foram diagnosticados corretamente. Como não há um exame físico que comprove o transtorno, ele é feito com base nos relatos dos pacientes e de pessoas com quem ele convive, além de alguns testes a partir da fala e escrita. "Não há duvidas sobre a necessidade de um aprimoramento desses critérios, por isto é necessário que mais pesquisas sejam feitas e publicadas em revistas científicas indexadas, expostas em congressos para serem debatidas", afirma Wimer Bottura, psiquiatra e membro do comitê multidisciplinar de adolescência da Associação Paulista de Medicina (APM). Tanto a doença quanto os medicamentos que a tratam são alvo de constantes questionamentos e discordâncias. Há quem diga até que o TDAH não existe e foi uma invenção da indústria farmacêutica para ganhar dinheiro.


Outros afirmam que há estudos que comprovam as diferenças no funcionamento cerebral de uma pessoa normal e de uma pessoa que sofre com o transtorno e que, também por isso, é indispensável o seu uso já que o corpo precisa receber uma substância que não produz sozinho. Para entender os argumentos em torno dessa polemica, conversamos com especialistas a favor e contra o uso de metilfenidato.

A corrente a favor

Assim como para quem tem miopia os óculos com o grau certo ajudam a enxergar melhor, o metilfenidato ajuda quem tem TDAH a colocar o foco e a concentração no eixo. Essa é a definição de Marcelo Gomes, neurologista pediátrico e diretor médico da Novartis. Há 20 anos trabalhando com pacientes que sofrem do transtorno, Gomes acredita que o aumento no número de diagnósticos se deve a uma maior informação e divulgação da doença.

Questionado sobre esse elevado índice de diagnósticos de TDAH, Wimer Bottura, da APM, diz: "não tenho dúvida de que há muito mais gente precisando ser medicada do que sendo medicada desnecessariamente. Claro que precisamos de mais pesquisas, porque o melhor medicamento até o momento foi criado há 60 anos. Sabemos muito pouco, ainda".

Outro ponto levantado por Gomes é de que a medicação é feita de maneira responsável e gradativa, com acompanhamento médico e multidisciplinar. "Sempre que é feito um diagnóstico de TDAH nós começamos com uma dosagem mais baixa do que acreditamos ser o ideal para aquela pessoa, para que o organismo se acostume e responda aos efeitos do medicamento. Se os efeitos foram os esperados, a dosagem é constante e não precisa aumentar ao longo do tempo."

O risco do vício

O argumento de que o remédio vicia e faz que o corpo queira doses cada vez maiores não procede, segundo o neurologista. Bottura completa dizendo que "as pesquisas mostram que o uso do metilfenidato é seguro ao longo do tempo, e que as pessoas portadoras do transtorno não tratadas têm pior qualidade de vida". Mas ambos concordam: não é porque a criança é agitada que ela sofre de TDAH. Como na maioria das doenças e transtornos neuropsiquiátricos, o diagnóstico é feito com base em relatos do paciente e das pessoas com quem ele convive.

E Gomes dá a dica: "Um diagnóstico de TDAH não é dado em uma primeira consulta. E preciso muita conversa e testes que comprovem o transtorno". Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o percentual de TDAH no mundo é de 5,4% — "o que mostra que ainda há muitos pacientes não diagnosticados", acredita Antônio Geraldo da Silva, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Bottura sugere que no caso de crianças que aparentemente sofram de TDAH, o primeiro passo é "que os pais se tratem primeiro, pois nunca há um caso único na família. Muitas vezes a criança tem sintomas sugestivos de TDAH decorrentes do convívio com pais que têm o transtorno. Nestes casos, o medicamento não funciona porque a criança não tem o transtorno, tem só o comportamento. Quando tem realmente o transtorno, é melhor tomar o medicamento, pois não é força de vontade que resolve".

A voz destoante

"Eu sou contra" - a afirmação enfática é de Maria Aparecida Moyses, pediatra e professora da Unicamp. "O metilfenidato é um estimulante usado para acalmar e faz isso pelo efeito zumbi, uma toxicidade", diz. Para a médica, os sintomas do medicamento vão bem além dos enumerados pelos especialistas favoráveis ao uso de Ritalina.


O risco de morte súbita inexplicada em adolescente é estimado em 10 a 14 vezes maior entre aqueles que tomam o remédio, segundo uma pesquisa de 2009 da Food and Drugs Administration (FDA) e do National Instituto of Mental Health (NIMH). "Não é desprezível. Além disso, interfere no sistema endócrino, na secreção dos hormônios de crescimento e dos sexuais. E uma substância com o mesmo mecanismo de ação e as mesmas reações adversas da cocaína e das anfetaminas", alerta.

Segundo a pediatra, consta em qualquer livro de farmacologia e vários trabalhosmostram que existe um risco de dependência química muito grande, além de uma dependência psíquica, porque a pessoa se sente mais ativa. Maria Aparecida conta que várias pesquisas mostram que, quando a criança começa a tomar o medicamento aos 4 anos e o retiram aos 18, existe uma tendência muito grande de drogadição por substâncias mais pesadas. "Se a criança está usando um estimulante desde os 5,6 anos, ela vai buscar outra droga quando interromper este uso", diz.

Domando a inquietude

Uma das questões da pediatra é: o remédio foca a atenção em quê? "E aleatório. Ao conter as atividades cerebrais de tal modo que você não se distraia, esta única coisa em foco é eleita ao acaso. Não é uma substância que te faz atentar no estudo, diferente do que muitos pais acreditam. Não existe um remédio que deixe a pessoa mais inteligente." A médica acredita que a sociedade é muito incomodada com os questionamentos e abafa isso via substância química, numa tentativa artificial de domar a inquietude e a curiosidade naturais da infância - fase com maior número de diagnósticos de TDAH. "Além disso, há o interesse financeiro das indústrias farmacêuticas. A forma como eu entendo isso é que os especialistas estão sendo treinados para identificar futuros consumidores de metilfenidato", diz.

A saída seria um tratamento multidisciplinar que consiga compreender o contexto em que o paciente está inserido e procure entender os motivos que levam à falta de concentração, ansiedade e hiperatividade - que muitas vezes não são suficientes para definir o diagnóstico de TDAH. "Crianças com 4 anos mexem no computador com várias janelas abertas ao mesmo tempo. Quando elas chegam à escola, queremos que elas façam uma coisa só e não questionem. Queremos crianças criativas, ótimas e submissas! Elas questionam, querem saber o porquê. O 'não' não basta mais para elas e nós temos que aprender a lidar com isso sem o refugio do medicamento", finaliza Maria Aparecida.

Como age o metilfenidato

Trata-se de um estimulante do sistema nervoso central. A forma principal como ele atua é desconhecida, mas sabe-se que seus efeitos são mediados pelo bloqueio do mecanismo de receptação dos neurónios dopaminérgicos. Os resultados para os pacientes seriam maiores capacidades de concentração e foco.

Remédio para o cérebro

E quando o metilfenidato passa a ser usado por pessoas que não sofrem de TDAH, mas querem conseguir uma concentração maior e mais focada para melhorar o desempenho no trabalho ou no período de provas no colégio, por exemplo? Não são poucos os casos em que remédios prescritos para pessoas com o transtorno estão sendo utilizados por estudantes do ensino médio e de graduação. Segundo a empresa médica norte-americana IMS Health, a quantidade de prescrições de medicamentos para TDAH dada a pessoas de 10 a 19 anos de idade nos EUA aumentou 26% desde 2007, chegando a quase 21 milhões de prescrições por ano. E o que pais e professores estão descobrindo é que as crianças e adolescentes forjam os sintomas e fazem afirmações dentro dos consultórios médicos que as enquadrem no diagnóstico de TDAH, o que faz que tenham fácil acesso aos medicamentos, como o metilfenidato. Embora os especialistas favoráveis ao uso de metilfenidato por quem sofre de TDAH digam que a droga não produz efeitos em quem não sofre do transtorno, o aumento do consumo deste medicamento pelas crianças e adolescentes parece contrariar a afirmação. A situação preocupa pais e educadores, que não sabem ainda como lidar com o fato.

0 comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...