sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Eu venci a depressão

Eu venci a depressão

Com orientação médica, ajuda de amigos e força de vontade, é possível superar a tristeza profunda. Enquanto a cura não chega, pacientes reencontram o sentido da vida a partir de prazeres simples
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Juliana Cézar Nunes
Da equipe do correio Braziliense




Primeiro, chega o desânimo. Depois, as lágrimas. Em seguida, uma tristeza que parece nunca ter fim. Muitas vezes, as palavras não são suficientes para explicar por que a vida ficou tão sem graça. A comida perde o gosto. O sorriso, o sabor. Trabalhar vira martírio. Conviver com amigos, filhos e marido, sacrifício. Insuportável, o cansaço no corpo e na alma acaba levando ao consultório médico. É quando ‘‘ela’’ se revela com nome científico: depressão
O homem de jaleco branco conta que se trata de um conjunto de sintomas, quase sempre desencadeado por decepções e perdas, caracterizado pela falta de substâncias estimuladoras do cérebro. O primeiro passo para superar o problema é aceitar o diagnóstico. Depois disso, seguir à risca o tratamento. A cura, no entanto, não depende apenas de remédios.

Na maior parte das vezes, pequenos prazeres e acontecimentos são o pontapé necessário para a recuperação do corpo, mente, coração e alma. Cada pessoa encontra uma saída diferente. Para a copeira Elenice Marlene da Silva, 50 anos, as amizades feitas durante os passeios no zoológico fizeram as lágrimas derramadas durante dois anos cessar. O funcionário público João Alves da Costa, 50 anos, contou com a persistência de dois amigos que não o deixavam quieto no trabalho. Convidavam para caminhas no Parque da Cidade e banhos de piscina.

Tanto Elenice como João usaram as armas que tinham por perto para não pensar mais na morte como uma solução para a vida. Resolveram desistir de um milagre da ciência. Ainda assim, a cada momento, uma promessa é renovada no mundo dos laboratórios. Este mês, por exemplo, um grupo de cientistas de três países (Estados Unidos, Nova Zelândia e Inglaterra) anunciou ter identificado o gene responsável pelo transporte da serotonina, importante substância para o cérebro. Para quem tem o tal gene alterado, as chances de cair em depressão aumentam em quase três vezes.

A descoberta dos pesquisadores é importante, mas ainda vai demorar a produzir efeitos no tratamento da doença que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, em 2020 será a segunda maior causa de incapacitação no trabalho. O nó da questão está no desenvolvimento de um remédio capaz de ‘‘consertar’’ o gene. Os próprios cientistas admitem que essa é tarefa para, no mínimo, 10 anos. Enquanto a poção milagrosa não chega, 340 milhões de pessoas em todo o mundo buscam caminhos diferentes para se livrar de uma companheira pra lá de indesejada.

Especialistas no assunto são unânimes quanto ao primeiro passo do tratamento: a consulta com o psiquiatra. ‘‘É ele quem vai definir o nível da depressão, descobrir se é necessário tratá-la com medicamento que reative a produção de neurotransmissores, solicitar o apoio de um psicólogo, psicanalista ou outras terapias’’, explica o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília.

A rede pública de saúde do Distrito Federal conta com poucos psiquiatras, concentrados no Hospital de Base e Hospital São Vicente de Paula. Os centros de saúde desenvolvem um trabalho preventivo, principalmente para quem está na terceira idade, época em que outras doenças, como diabetes e Parkinson, podem desencadear a depressão. Para esse público, são oferecidas palestras, reuniões em grupo, terapia corporal e automassagem. Simples e baratas, essas ações podem evitar ou até mesmo reduzir os efeitos de uma depressão.

Terapias alternativas
A professora aposentada Ângela Villas, 57 anos, estava em paz com o marido, filhos e netos quando a depressão apareceu. Foram necessários três meses de acupuntura aliada a remédios para ela se livrar do problema que apareceu em uma época inusitada: as eleições. ‘‘Fiquei agoniada com os políticos mentirosos, prometendo um monte de coisas, e com aquela Regina Duarte, dizendo eu tenho medo’’, conta, bem-humorada, Ângela. Ela responsabiliza as ‘‘agulhinhas’’ por sua melhora e garante que nunca mais irá abandoná-las.

Acupunturista há 10 anos, Henrique Afonso, sempre tenta frear os clientes e mostrar que as agulhas ajudam muito, mas não resolvem todo o problema. ‘‘É preciso, sim, acompanhamento médico e muita força de vontade para melhorar’’, ressalta Afonso.

Psicóloga especializada em depressão na adolescência, Virgínia Nunes Turra também reconhece a importância dos remédios, desde que tomados com a supervisão do médico e nas dosagens certas. Até mesmo os adolescentes em depressão podem necessitar desse recurso artificial para equilibrar o corpo, sair da cama, ter tempo para repensar os problemas e aprender a lidar com eles.

A experiência no consultório ensinou à psicóloga que não há receita para a cura. O tratamento pode durar meses ou anos. Infelizmente, não há como garantir que ‘‘ela’’ não voltará jamais a perturbar. ‘‘Mas é sempre possível trazer de volta ao mundo quem pensa não ter mais o que fazer por aqui.’’
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Reconquistei a minha felicidade. E não desejo o que eu passei pra ninguém

Elenice Marlene da Silva, 50 anos, servidora pública


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DEPOIMENTO
Passeio no zoológico

‘‘Quando minha filha decidiu morar com o pai, achei que minha vida tinha acabado. Separei-me dele depois de muitos anos de desentendimento e ciúme. Cheguei a conseguir na Justiça a guarda dela. Mas quando ele foi embora, ela também fez as malas. Fiquei naquela casa imensa, sozinha. Passei a chorar o tempo todo. Só tinha vontade de dormir. Não queria ter conhecimento com gente. O povo falava que era frescura minha. Fiquei dois anos sofrendo. Emagreci 20 quilos. Passei de quase 60 para pesar 38 quilos. Chegava em casa do trabalho na sexta e só saía na segunda-feira. Ficava me perguntando por que aquilo tudo estava acontecendo comigo, com meu corpo, por que eu. Saía na rua e achava que as pessoas estavam olhando pra mim, me criticando. Já não agüentava mais viver. Foi quando meu pai de criação disse que eu precisava de um médico. Procurei um clínico no HUB (Hospital Universitário de Brasília). Lá mesmo fui atendida pelo psiquiatra e psicólogo. No consultório, relaxava ouvindo música. Eles me aconselharam a passear em locais cheios para perder o medo de gente. Nessa época — há dois anos — eu morava na Vila Planalto. Aos sábados e domingos, passei a pegar ônibus para a Rodoviária e de lá para o Zoológico. Eram 40 minutos de viagem. No início, só conseguia ficar cinco minutos no meio do povo. Logo saía correndo, chorando. Depois, fui passando mais tempo lá. Conversava com as pessoas, andava por todo canto, olhava os pássaros. Comecei a me recuperar de verdade. Voltei até a falar com a minha filha — há um ano não nos víamos. Mesmo assim, continuava me sentindo muito sozinha. Tinha medo da depressão voltar. Por causa disso, no dia do meu aniversário, liguei para um amigo do trabalho, que me convidou para tomar vinho e comer queijo na casa dele. Desde então, estamos juntos. Reconquistei a minha felicidade. E não desejo o que eu passei pra ninguém.’’
• Elenice Marlene da Silva, tem 50 anos e mora em Sobradinho. Faz e serve delicioso café em um órgão do governo federal.

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DEPOIMENTO
O renascimento da vida






‘‘Foram nove meses de muito sofrimento. O estranho é que ter um quarto filho era tranqüilo para mim. Não estava triste com isso. Mas fiquei tão agressiva na gravidez que acabei sendo demitida do trabalho. Não tinha paciência com os filhos da minha patroa. Estava grávida, mas só emagrecia. Em casa, queria ficar trancada no quarto. Quando um dos meus filhos entrava, eu tinha um ataque. O mais velho, de 11 anos, foi o que mais sofreu. Meu marido ia trabalhar e ele ficava em casa, tendo que cuidar de tudo. Fazia comida, dava banho e levava os menores na escola. A minha filha de cinco anos também ficou muito preocupada. Perguntava pra mim se a irmãzinha dela estava batendo com força dentro da minha barriga. Hoje, acho lindo a preocupação dela. Mas, naquela época, não tinha paciência para explicar nada. As minhas amigas tentavam me ajudar, conversavam comigo, mas eu só chorava. Fui ao médico e ele disse que era depressão. Explicou que não podia me dar remédio por causa da gravidez. Receitou um chá natural, que acabei nem comprando. Nesse momento, meu marido foi maravilhoso. Sempre muito paciente, conversava comigo, cheio de amor. Cheguei a pensar em separação, mas ele não aceitou. Percebi então que precisava reagir. Fui melhorando aos poucos. Poucos dias depois que a minha filha nasceu, senti que estava de volta. O sorriso e o olhar dela me ajudaram muito. Vi que precisava seguir em frente para cuidar muito bem dessa criança tão especial cheia de energia boa. Mas ainda tenho medo daquele sentimento ruim. Por isso, quero voltar logo a trabalhar. Vou até procurar minha antiga patroa. Converso muito com o médico e tento me sentir útil. Sempre que posso, levo meus meninos e os filhos das vizinhas para passear. Brinco, limpo e dou bronca quando é preciso. São crianças ótimas. Nem dão trabalho.’’
• Ivonete Francisca de Jesus, tem 32 anos e mora no Jardim Ingá. Cuida dos quatro filhos e pretende voltar ao trabalho em breve.

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DEPOIMENTO
Apoio de amigos






‘‘A minha depressão apareceu depois do divórcio. Estava há 23 anos casado, com três filhos e uma casa que construí com as minhas próprias mãos. Um belo dia, me vi em um quarto 4x4, sozinho. Aquilo me deu um vácuo na cabeça, que foi progredindo. Não dormia mais. Procurei médico, fiz todos os exames e não dava nada. Acabei parando no psiquiatra, que me receitou dois remédios fortes. Tomei durante um ano. Os meus amigos do trabalho me ajudaram muito. Sem eles, não teria conseguido melhorar. Todos os dias, bem cedinho, dois deles passavam na minha sala e já programavam o meu dia. Era caminhada no Parque da Cidade depois do almoço, o lanche no meio da tarde e às vezes até jantar. Nos finais de semana, me levavam para fazer exercício físico, principalmente natação. De tão preocupados comigo chegaram a chamar um pastor pra me ajudar. Ficavam no meu pé para eu não deixar de ir ao médico. Aos poucos, fui aprendendo com eles que rir é uma coisa gostosa. Antes, não sabia o que era sorrir, chorar, nada. Como estava sempre triste, algumas pessoas acham que tinha virado alcoólatra ou drogado. Eu mesmo sempre achei que depressão fosse coisa de mulher, de fresco. Demorei para admitir que tinha o problema. Passei dois anos com depressão. Mas melhorei, principalmente por causa do apoio dos amigos do trabalho e também de um grupo de colegas de Taguatinga que, assim como eu, gostam de escrever. A gente tinha uma espécie de academia, onde trocava textos e sonhava em publicar livros. Acabou não dando certo, mas valeu para o meu tratamento. Penso que o mais decisivo na minha recuperação foi conhecer a mulher com quem eu moro hoje. Novamente tenho uma casa. Aquela solidão dominante que eu sentia ficou pra trás.’’
• João Alves da Costa tem 50 anos e mora em Sobradinho. Trabalha com fotocópias em um órgão público e escreve poesias sobre a natureza.

O QUE É A DOENÇA

SINAIS DA DEPRESSÂO

TRISTEZA PROFUNDA NA MAIOR PARTE DO TEMPO
PERDA DE INTERESSE OU DE PRAZER NAS ATIVIDADES DO DIA-A-DIA
ALTERAÇÃO DO APETITE (PERDA OU GANHO DE PESO, MESMO SEM ESTAR EM DIETA)
INSÔNIA OU AUMENTO DO SONO
AGITAÇÃO
PERDA DA ENERGIA E CANSAÇO
SENTIMENTO DE CULPA
DIFICULDADE DE CONCENTRAÇÃO E INDECISÃO
PENSAMENTOS DE MORTE E ATÉ TENTATIVAS DE SUICÍDIO
* CASO VOCÊ APRESENTE ALGUNS DESSES SINTOMAS POR MAIS DE DUAS SEMANAS, É POSSÍVEL QUE TENHA DEPRESSÃO. PARA O DIAGNÓSTICO PRECISO, PROCURE UM ESPECIALISTA

PARA FUGIR DA DEPRESSÃO

SAÚDE
FAÇA EXERCÍCIO FÍSICO DIARIAMENTE. DE PREFERÊNCIA, AO ACORDAR, POR UMA HORA. ESCOLHA A ATIVIDADE FÍSICA QUE LHE DÁ MAIS PRAZER. A ATIVIDADE FÍSICA REGULAR AUMENTA A PRODUÇÃO DE BETAENDORFINAS, SUBSTÂNCIA QUE DÁ SENSAÇÃO DE BEM-ESTAR E DISPOSIÇÃO.

EVITE INGERIR SUBSTÂNCIAS ESTIMULANTES. ENTRE ELAS, CAFÉ, REFRIGERANTE, CHOCOLATES E DERIVADOS DO CACAU, CHÁ MATE E PRETO, GUARANÁ EM PÓ. A CAFEÍNA PROVOCA HIPERATIVIDADE CEREBRAL, ALTERA AS FASES DO SONO, CAUSA IRRITABILIDADE E ESTRESSE.

NÃO CONSUMA BEBIDA ALCOÓLICA QUANDO ESTIVER EM TRATAMENTO. EM OUTRAS OCASIÕES, BEBA NO MÁXIMO UMA VEZ POR SEMANA. DE PREFERÊNCIA BEBIDAS FERMENTADAS, COMO CERVEJA, VINHO E CHAMPANHE. O INTERVALO DE UMA SEMANA ENTRE O CONSUMO DE BEBIDAS PERMITE O REAJUSTE DAS FUNÇÕES DO CÉREBRO.

PROCURE NÃO FUMAR. ALÉM DOS PREJUÍZOS PARA O PULMÃO E CORAÇÃO, A NICOTINA MODIFICA O HUMOR.

ALIMENTAÇÃO
COMA FRUTAS E VERDURAS FRESCAS COM FREQÜÊNCIA. ALÉM DE FONTE DE VITAMINAS, ELAS CONTÊM O TRIPTOFANO, SUBSTÂNCIA FUNDAMENTAL PARA A PRODUÇÃO DE SEROTONINA. AS FIBRAS TAMBÉM MELHORAM O DESEMPENHO INTESTINAL, MUITAS VEZES PREJUDICADO PELOS REMÉDIOS E A DEPRESSÃO.

NÃO COMA ALIMENTOS PESADOS APÓS AS 18H. CARNES VERMELHAS E FRITURAS PODEM PREJUDICAR O SONO. À NOITE, PREFIRA LANCHES LEVES E SOPAS.

BEBA BASTANTE LÍQUIDOS, COMO ÁGUA E SUCO, QUE EVITAM A DESIDRATAÇÃO CELULAR E MELHORA O METABOLISMO.

SONO
TENTE DORMIR POR VOLTA DAS 22H30. O SONO MAIS PROFUNDO OCORRE ENTRE AS 23H E AS 3H DAS MANHÃ.

ACORDE ATÉ AS 6H. APÓS ESSE HORÁRIO, AUMENTA A FASE DO SONO CONHECIDA COMO REM: MOMENTO EM QUE O SONO SE TORNA CONSTANTE, DESVITALIZADOR E DEPRESSIVO.

EVITE, ATÉ MESMO NOS FINAIS DE SEMANA, DORMIR HORAS DURANTE O DIA. ESSE SONO NÃO DESCANSA. QUEM TEM O HÁBITO DE REPOUSAR DEPOIS DO ALMOÇO, DEVE FAZER ISSO POR NO MÁXIMO 40 MINUTOS. É O TEMPO SUFICIENTE PARA QUEBRAR O CICLO SONO/VIGÍLIA.

RELAXAMENTO
PROCURE TOMAR BANHO PELA MANHÃ. DE PREFERÊNCIA, MORNO OU FRIO. O CHOQUE TÉRMICO É UMA ÓTIMA FORMA DE DESPERTAR. ANTES DE DORMIR, O BANHO QUENTE PODE SER UMA BOA OPÇÃO. ELE PROVOCA VASODILATAÇÃO, O QUE AJUDA A RELAXAR E FACILITA O SONO.

FUJA DO EXCESSO DE INFORMAÇÃO. O ESTÍMULO AUDITIVO E VISUAL É EXCITANTE E CAUSA ESTRESSE CEREBRAL. EM CASA, DÊ PREFERÊNCIA PARA RELACIONAMENTOS FAMILIARES E SOCIAIS.

INVISTA EM LAZER NOS FINAIS DE SEMANA. SAIA DA ROTINA CASA/TRABALHO E TENTE RESGATAR A TRANQÜILIDADE E O BEM-ESTAR.

VIVA COM PRAZER. BUSQUE ATIVIDADES PROFISSIONAIS, ESPORTIVAS E RELIGIOSAS QUE LHE PROPORCIONEM MOMENTOS PRAZEROSOS.

VISITE O MÉDICO REGULARMENTE. INCLUSIVE O PSIQUIATRA. A TAREFA DELE É QUE EVITAR QUE AS PESSOAS ADOEÇAM GRAVEMENTE SEM NECESSIDADE.

• FONTE: MÉDICO PSIQUIATRA ANTÔNIO GERALDO DA SILVA, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA DE BRASÍLIA

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