terça-feira, 31 de julho de 2012

A polêmica do déficit de atenção



A polêmica do déficit de atenção
Psicólogos contestam a existência do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade e o uso de
medicamentos para tratá-lo. Sociedades médicas discordam do movimento
Rachel Costa

Uma das doenças psiquiátricas mais diagnosticadas em crianças e adolescentes na atualidade, com prevalência calculada em 5% da população infanto-juvenil, o transtorno do
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ganhou, recentemente, um inimigo: a
campanha “Não à medicalização da vida”. Por trás do nome genérico, o movimento,
encabeçado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), faz menções diretas ao
transtorno em seu material – contestando sua existência e o uso do
metilfenidato, medicamento mais conhecido pelo seu nome comercial Ritalina,
usado para tratá-lo. “É muito difícil comprovar que isso é uma doença neurológica,
como hoje se afirma. O que temos visto é a medicação de crianças que têm alguma
dispersão que incomoda os adultos”, acusa Marilene Proença, presidente do CFP.
A iniciativa repercutiu entre pacientes e familiares. “Começamos a receber
muitos e-mails”, diz Iane Kestelman, presidente da Associação de Pacientes de
TDAH. Eram pessoas sem saber se suspendiam a medicação e pais revoltados com a
acusação de que estavam drogando seus filhos sem necessidade. Tanta balbúrdia
originou outra carta, escrita pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e
publicada dois dias depois do manifesto do CFP. Nela, a entidade faz a defesa
do direito dos pacientes de receber a droga. “Dizer que é um crime medicar as
crianças é terrorismo”, defende Eduardo Vaz, presidente da Sociedade Brasileira
de Pediatria, uma das instituições que assinaram o texto da ABP. “Podemos
discutir se estamos medicando demais, mas dizer que o TDAH não existe ou que a
medicação é desnecessária não é o caminho para que isso aconteça”, considera.
“E não é comum as pessoas terem TDAH. Se olharmos as estatísticas, 95% das
crianças não têm a doença, e não o contrário”, ressalta Antônio Geraldo da
Silva, presidente da ABP.

Desde sua catalogação, o TDAH nunca foi ponto pacífico, em especial entre psiquiatras
e psicólogos. Na campanha “Não à medicalização da vida”, defende-se que o TDAH
não passa de resultado do estilo de vida contemporâneo. “Estamos contestando
que se afirme tranquilamente que é uma doença, ignorando que ela ainda não foi
cientificamente comprovada”, diz a médica Maria Aparecida Moyses, do
Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas e uma das
criadoras do manifesto do CFP.

Nos referenciais científicos mais importantes na área de saúde, porém, o
transtorno aparece descrito. A doença está registrada no manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais, livro-referência para diagnósticos de saúde
mental, e é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “O transtorno
também aparece na classificação internacional das doenças, o que significa que
há um consenso mínimo da comunidade científica mundial”, disse à ISTOÉ Jorge
Rodriguez, especialista em saúde mental da Organização Pan-Americana da Saúde,
órgão da OMS nas Américas. “Dizer que o TDAH não existe é errado”, afirmou à
ISTOÉ Sergi Ferré, do Instituto Nacional de Saúde americano. “É uma posição
embasada no passado, quando tínhamos critérios imprecisos para o diagnóstico.” Para
a médica veterinária Marta Luppi, 42 anos, o modo como se levantou a bandeira
contra o TDAH foi inadequado. Na casa dela, o marido Márcio Luppi, 52 anos, e o
filho Matheus, 12 anos, são diagnosticados com o transtorno e usam o fármaco.
“Quando o médico disse que eles precisariam tomá-lo, li as pesquisas
científicas sobre o assunto”, diz Marta. “Ninguém dá remédio para o filho sem
motivo.”

Hoje, o metilfenidato é a principal droga usada contra o TDAH. “Ele é eficaz em
70% dos casos”, diz o psiquiatra pediátrico Guilherme Polanczyk, da
Universidade de São Paulo. A droga age sobre a dopamina, substância cerebral
que aparece desregulada em pacientes com o distúrbio. “O remédio é válido em
vários casos, mas a dosagem precisa ser criteriosamente calculada para cada
indivíduo”, disse à ISTOÉ Abigail Zdrale Rajala, da Universidade de Wiscosin
(EUA), coautora de um estudo sobre os efeitos de diferentes doses da droga.
Em quantidade inadequada, observou-se o efeito contrário ao desejado, com a
perda da capacidade criativa e comprometimento do aprendizado. Quando bem
usado, porém, os pacientes relatam benefícios. É o caso do psicólogo Ronaldo
Ramos, 55 anos. Para ele, que tentava melhorar apenas com psicoterapia, o
remédio foi um tiro certeiro. “Melhorei muito aliando a terapia com o
medicamento”, declara Ramos, cuja filha Gabriela, 19 anos, também foi
diagnosticada com TDAH.

No Brasil, apesar do grande aumento no consumo de metilfenidato nos últimos
anos, não há um percentual abusivo do seu uso pela população. Um cruzamento de
dados previsto para ser divulgado na próxima edição da “Revista Brasileira de
Psiquiatria” mostra que menos de 20% das pessoas com TDAH estariam tomando o
remédio no País, considerando-se cerca de 1,7 milhão de caixas vendidas do
fármaco em 2010. Todavia, algo inegável entre esses tantos que tomam o remédio
é que muitos podem o estar fazendo sem ter passado por um diagnóstico adequado
ou o estejam tomando sem indicação médica. “Quem mais faz diagnóstico de TDAH
são as psicopedagogas das escolas”, critica o neuropediatra Saul Cypel, da
Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. “Isso está errado. O diagnóstico precisa
ser muito criterioso.”
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/224791_A%20POLEMICA%20DO%20DEFICIT%20DE%20ATENCAO#.UBb4W5NFE5Z.email

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