sexta-feira, 9 de março de 2012

Internação compulsória e direito à vida

O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, escreveu um artigo para o jornal Correio Braziliense comparando a internação compulsória ao direito à vida. A discussão surge a partir de um Projeto de Lei que vem sendo avaliado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) que propõe a internação para tratar dependentes químicos.


No quinto artigo, a Constituição Federal traz o direito à vida e à liberdade como garantias invioláveis do povo brasileiro. Por vezes, dois direitos tão fundamentais são confrontados. E aí surge a dúvida: entre a liberdade e a vida, com qual você fica? A capciosa dúvida, claro, não precisa ser levada ao extremo, mas o fato é que, sem vida, não há como reivindicar liberdade.

Ou seja, a liberdade possui limites. O que não tem limites e é inquestionável é o direito à vida. Nem que, para exercer esse direito em plenitude, o cidadão precise abrir mão da liberdade por algum período. O direito à vida deve ser compreendido ainda de acordo com uma visão global, incluindo na interpretação outros valores, entre os quais se destaca a dignidade humana, presente na curta relação de fundamentos da democracia brasileira.

E exatamente apoiada nos fundamentos da democracia, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado está analisando o PLS 111/10, de autoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que altera o artigo 28, da Lei 11.343, a chamada Lei de Drogas, para estabelecer pena de detenção de seis meses a um ano para o usuário de drogas, bem como a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por tratamento especializado.

Parlamentares já introduziram alterações ao texto original. Uma delas é a troca da prisão pela “internação compulsória”. Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), relatora do PLS, a dependência química é questão de saúde e não de segurança já que 98% dos municípios brasileiros relatam problemas decorrentes do uso de álcool e drogas.

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) cerra fileiras com a senadora e com os parlamentares que têm o mesmo posicionamento. Para a ABP, o dependente químico não é criminoso que precise de cadeia, é doente que necessita de atenção e atendimento especializado porque já está sentenciado à prisão sem grades determinada pelo uso das drogas.

Para o dependente químico e sua família, a internação compulsória, muitas vezes, se torna a única garantia de vida ou qualidade de vida. A ABP deixa claro, no entanto, que a internação compulsória deve ser acompanhada e indicada por psiquiatra.

Os críticos à medida argumentam que a internação compulsória expõe o caráter repressivo do recolhimento, afinal, a aversão a qualquer período de internação psiquiátrica é forte ainda nos dias atuais e baseia-se, principalmente, na legislação do direito à liberdade.

Acontece que a ação humana não é absolutamente livre, já diziam os filósofos. Todo agir está condicionado a escolhas e só está em condições de fazer escolhas e agir com liberdade quem melhor compreende as alternativas que lhe são oferecidas.

Sim, o direito à liberdade é muito importante, mas não é possível ser livre se se está preso a doenças mentais ou dependência química que, em última instância, levam o cidadão a ter comportamentos obsessivos, repetitivos, compulsivos, impulsivos, disfuncionais, autolesivos, suicidas de tal modo avassalador que ele perde a capacidade de amar e de trabalhar. Está preso a um automatismo mental que ele próprio reconhece ser tirânico e do qual não consegue se libertar.

Como afirma o filósofo-psiquiatra Henri Ey, o indivíduo perde a liberdade de decidir o que é bom e mau para si mesmo, perde até a liberdade de “pecar” por conta própria, dado o determinismo biológico e psíquico doentio a que está submetido. Espero nunca ser necessário fazer uma escolha que coloque em oposição o direito à vida e o direito à liberdade, mas se, para ter vida em plenitude, precisar abdicar de algum período de liberdade em local adequado, que assim seja.

Por Antônio Geraldo da Silva – Presidente da ABP para o Correio Braziliense.

Publicado também:

http://ctviva.com.br/blog/internacao-compulsoria-e-o-direito-a-vida/

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/3/6/internacao-compulsoria-e-direito-a-vida

http://reporteralagoas.com.br/novo/?p=6912

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