terça-feira, 16 de agosto de 2016

Quando o expediente compromete a saúde.

Quando o expediente compromete a saúde.


A busca incessante por resultados, a inquietação para o cumprimento de prazos e o estresse causado pelas horas gastas no trânsito na ida e na volta ao trabalho fazem parte da rotina da maioria dos profissionais. O que poucos sabem – ou fingem não saber – é que tais fatores podem desencadear ou agravar um transtorno mental, como a depressão. Nas estatísticas globais, a doença aparece entre as três maiores causas de afastamento do trabalho.
Essa triste realidade chamou a atenção do Ministério da Saúde, que, pela primeira vez, recorreu ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para investigar a ocorrência da depressão no meio da população ocupada. O levantamento, realizado entre pessoas com 18 anos ou mais de idade, mostra que 6,2% dos indivíduos empregados sofrem com a doença depressiva.
A constatação só reforça a nossa preocupação com a saúde mental do trabalhador. * Na maioria das vezes, esses profissionais, cada vez mais cobrados em suas funções, acabam não enxergando o que uma rotina estressante pode causar à sua saúde a médio e longo prazos. Mais comuns do que se imagina no ambiente profissional, os transtornos mentais despontam como a terceira causa de afastamento do trabalho, atrás apenas das lesões traumáticas e dos distúrbios osteomusculares.
Para se ter ideia, em 2015, o Instituto Nacional Social (INSS) concedeu mais de 63 mil * benefícios para profissionais diagnosticados com algum tipo de transtorno mental. Na Classificação Internacional de Doenças, em que o INSS se baseia, a depressão encabeça a lista de doenças mentais que mais afastam os funcionários de seus empregos. Foram cerca de 27 mil casos computados. Em segundo, com mais de 16 mil ocorrências, estão os transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas. Na sequência, vêm os afastamentos por transtornos mentais decorrentes do uso de álcool, com mais de 5 mil casos, e aqueles causados pelo uso da cocaína, que ultrapassam 2 mil.
O que percebemos com esse cenário é que muitas pessoas sofrem em silêncio. Escondem fobias, depressão, transtornos de ansiedade e, pior, não procuram ajuda. Por negligência ou até mesmo por medo de serem julgadas. Tudo isso, é claro, prejudica o desempenho profissional e, consequentemente, piora ainda mais a situação. Vale ressaltar que mesmo os indivíduos que quebram a barreira do preconceito e buscam ajuda especializada envergonham-se do seu diagnóstico por temer estigmas descabidos, como de louco, acomodado, mentiroso. Precisamos mudar essa realidade.
O agravamento dos transtornos mentais em decorrência de pressões no trabalho, do temor do desemprego e da crise financeira podem levar o trabalhador a situações críticas, como o suicídio. Nesse sentido, o Estado precisa investir em políticas de saúde mental fundamentada em diretrizes científicas e não, em bases ideológicas vazias.
A ausência de prevenção adequada tem consequência não somente nos trabalhadores e em suas famílias, mas também na sociedade devido ao enorme custo gerado, particularmente, no que diz respeito à perda de produtividade e à sobrecarga dos sistemas de seguridade social. A Organização Internacional do Trabalho estima que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais resultam numa perda anual de 4% do PIB mundial – cerca de R$ 2,8 bilhões de dólares.
As empresas, por meio de gestores de pessoas treinadas, devem atentar para o comportamento dos seus funcionários. É importante saber distinguir, por exemplo, se uma pessoa está desmotivada por algum problema pontual que ocorreu no trabalho ou se é uma característica constante dela. O saber enxergar o outro precisa ser praticado. O médico do trabalho da empresa tem papel fundamental na saúde do empregado, pois é capaz de identificar precocemente sinais e sintomas de doença mental e encaminhar o trabalhador à avaliação especializada de um psiquiatra. Da mesma forma, programas de prevenção à violência no trabalho e à dependência química precisam fazer parte da rotina da saúde do quadro funcional de uma empresa.
É fundamental que toda pessoa diagnosticada com algum tipo de transtorno mental siga o tratamento corretamente e que o empregador acompanhe esse processo. Cuidar da saúde mental do trabalhador representa em todos os aspectos ganhos para o próprio colaborador, para quem o contrata e para a sociedade.
(*) Antônio Geraldo da Silva é Psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Rosylane Mercês Rocha é Diretora de Legislação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT).
Fonte: Correio Braziliense, por Antônio Geraldo da Silva e Rosylane Mercês Rocha (*), 10.08.2016



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