quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Liberar não é o caminho




Liberar não é o caminho



25/08/2015 - ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

SÉRGIO DE PAULA RAMOS
Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

Desde 2011, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) questão que pode mudar o rumo da política de drogas no Brasil: decidir se é crime o porte de entorpecentes para consumo próprio. O assunto teve início quando um ex-presidiário foi pego com três gramas de maconha em sua cela. Na ocasião, ele alegou ser usuário e foi condenado à prestação de serviços à comunidade, mas seu advogado apresentou recurso extraordinário ao tribunal afirmando que impedir alguém de portar droga para o uso pessoal fere a intimidade e a liberdade individual, contradizendo, assim, a Constituição Federal.

Sempre que as pessoas confrontam o direito à vida com o direito à liberdade, há um grave problema. Como médicos, somos sempre favoráveis à saúde e contra todo facilitador de acesso a qualquer substância que gere dependência física e psíquica. Se for aprovada a descriminalização, o número de pacientes nos consultórios vai triplicar. Só hoje, são quase 2 milhões de indivíduos dependentes de maconha e mais de 1 milhão, de crack. Ao entrar num avião, por exemplo, como você se sentiria se visse que o comandante tem um cigarro de maconha no bolso? Ou se notasse que o médico que vai operar sua mãe também porta a droga para uso próprio? Dizer que a maconha não provoca nada é absurdo.

É importante deixar claro que a descriminalização não diz respeito somente à maconha, mas a toda e qualquer substância que cause dependência. Hoje, o sistema público não consegue ter espaço para atender os alcoólatras que temos. Vamos ter o uso liberado de mais uma droga que muda a atitude das pessoas? A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) luta para dificultar o acesso ao álcool e jamais discutir o acesso a outra droga.

Além disso, as políticas públicas do Brasil não se comparam com as de países americanos e europeus. Não temos atendimento, cultura ou estrutura para controlar esse tipo de situação. Precisamos saber quem está por trás desse lobby. Quem defende a legalização tem interesses pessoais porque é usuário ou tem vantagens econômicas por trás. Vejam a movimentação financeira que fez a maconha nos Estados Unidos. No Brasil, tínhamos 48% da população fumante. Lutamos até conseguir restringir o uso a apenas 17%. Quem produzia tabaco agora quer produzir a maconha. Estamos na contramão da história.

O negócio da maconha, hoje, gira cerca de US$ 148 bilhões por ano. Com a liberação, esse valor pode dobrar, pois vamos aumentar o número de usuários, como aconteceu em Portugal. Logo, o valor passaria para US$ 280 bilhões anuais, o que parece ser um ótimo negócio. Na carona, uma droga legalizada, mais cedo ou mais tarde, terá propaganda liberada, com o consequente lucro de agências e mídia. Devemos legalizar a maconha em detrimento da saúde e a favor do dinheiro? Infelizmente, o lucro é colocado acima da saúde pública e prognostica-se que a maconha será o grande negócio do século 21.

A ABP luta para mostrar a questão médica por trás de tudo isso e advertir que qualquer tipo de droga é prejudicial à saúde. A maconha, por exemplo, desempenha impacto extremamente negativo no desenvolvimento cerebral dos jovens, especialmente entre os 12 e 23 anos, período em que o cérebro está em formação e quando a ação pode ser irreversível. Está comprovado que ela multiplica por 3,5 vezes a incidência de esquizofrenia e aumenta em cinco as chances de desencadear no usuário o transtorno de ansiedade. Quando fumada, a droga piora todos os quadros psiquiátricos, que já atingem até 25% da população, como depressão, ansiedade e bipolaridade. Logo, podemos concluir que a droga não prejudica só quem a consome, mas também as pessoas ao redor.

Não podemos aprovar a descriminalização do porte de droga e achar que isso é bom. Esse direito individual que está sendo defendido por quem é a favor da mudança na lei e pode prejudicar ou matar muitas pessoas. A discussão, portanto, é urgente. Afinal, há menos de um século, a indústria do tabaco professava que fumar fazia bem para bronquite. O Brasil precisa se atentar para o tipo de sociedade que está preparando.

 FONTE: Correio Braziliense.



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